sábado, 25 de fevereiro de 2023

O devir feminista nos games

Eu não achava que conseguiria.

Minha maior sensação era de que, a qualquer momento, minha saúde mental se deterioraria e o cansaço fosse fazer tudo desmoronar. É claro que eu entrei nessa por livre e espontânea vontade; tomei essa decisão quando me senti levemente confiante de que eu poderia fazer isso. Mas a verdade é que, mesmo assim, mesmo tendo certeza, é difícil, é puxado, é desafiador. Colocar-se na condição de aprendiz pode parecer fácil - afinal eu fiz isso a minha vida inteira -, mas, de fato, os obstáculos são enormes, principalmente os internos, em que a gente internaliza e reproduz, incessantemente, que talvez não seja capaz de levar à cabo a missão autoatribuída.

Hoje, mais de dois meses após a defesa da minha dissertação, eu senti que conseguiria falar a respeito. Entretanto, faço isso na companhia de lágrimas copiosas nos olhos, um frio na barriga e muito, mas muito esforço pra colocar em palavras como foi a minha experiência.

Passei por muitos perrengues nessa jornada de dois anos e, exatamente quando entrava na reta final (início do segundo ano) eu tive a minha primeira crise de pânico. O contexto não é relevante e, como se sabe, as perturbações de cunho psicológico acontecem em razão de diversos fatores, nada é, isoladamente, responsável por isso. A gente não pode evitar um abismo depressivo, um surto de ansiedade, uma crise de pânico. Nada é evitável e não há culpados, são apenas fatos e, por isso, a gente precisa correr atrás dos gatilhos e buscar auxílio pra trabalhar essas questões. 

Eu tenho sorte. Tenho também uma imensa rede de apoio (que eu nunca canso de agradecer e louvar) porque, sem ela, eu não teria conseguido sair do lugar e o medo paralisante teria feito cessar todas as minhas energias vitais.

Não abaixei a cabeça. Bom, não baixei no sentido figurado; já que, no sentido literal, eu abaixei a cabeça e estudei, chorei, pedi ajuda, cuidei de mim e dos meus. Abaixar a cabeça e olhar pra dentro, afinal, não é um mistério insolúvel.

Mantive meu espírito nutrido. Surtei sozinha, surtei com outras pessoas, outras pessoas surtaram comigo. Segui trabalhando, saindo com meus amigos, tentando jogar videogame, vendo algum filme, segui a minha vida com a consciência de que toda angústia estava dentro de mim e, portanto, somente eu seria capaz de lidar com ela.

É assustador, né? É assustador quando dizem que nosso futuro depende de nós mesmos.

No segundo ano do mestrado as coisas se complicaram um pouco não só pelas crises de pânico - aqueles buracos negros que estão por aí, esperando que a gente seja sugado por eles sem aviso prévio -, mas também pela necessidade de me deslocar até à Universidade. Era bom quando estava lá, mas até chegar, era um sofrimento. Eu me tornei muito mais reclusa durante a pandemia; sair de casa nunca foi uma grande maravilha pra mim, mas nesse período tenebroso de nossas vidas, as coisas pioraram bastante. Eu carregava na mochila um estoque de guerra: antieméticos, calmantes, analgésicos e, claro, um EPI antirruídos. Sim, até o som da rua, da vida passando, me causava muita dor e sofrimento; o período de reclusão me deixou muito mais sensível a estímulos sensoriais, especialmente na audição, no olfato, no tato e na visão.

Chegando ao fim do ano, beirando a defesa propriamente dita, eu fui ao médico fazer exames de rotina e a ginecologista se preocupou com um nódulo no seio. Pediu exames de imagem e, com o resultado, pediu biópsia. Eu entrei em desespero com a ideia de alguém me furando com uma "agulha grossa" (palavras da médica, não minhas). Só isso já me perturbava. Então fui atrás pra compreender o que estava acontecendo e, aparentemente, estavam investigando uma provável situação de câncer estágio IV. Eu nem sabia o que era isso. Nem sabia como essa escala funcionava; até descobrir que estava no gabarito: nota máxima! "Parabéns, você tem apenas alguns meses de vida!"

Fiz de conta que não era comigo. Magicamentre entrei numa bolha - um círculo mágico? - e deixei a vida no piloto automático. A essa altura eu já não me alimentava direito e, se não fosse pela descoberta do whey, provavelmente não conseguiria comer nada sólido mesmo. A vida foi seguindo, eu perdida em pensamentos, tentando trabalhar, estudar e manutenir os meus laços afetivos tanto quanto era possível.

Nesse momento difícil eu contei com a ajuda dos amigos próximos, dos colegas de trabalho, da minha família. Eu não sei onde estaria se não os tivesse comigo no olho do furacão.

Apenas alguns dias antes da banca (em 19/12/22), eu me dirigi à clínica pra fazer a bendita biópsia com "agulha grossa". Eu não falava, eu nem tremia; eu simplesmente aceitei que era aquilo que tinha pro momento e que eu deveria encarar a vida como sempre encarei: de frente, de cabeça erguida. E fui.

Lá chegando, a notícia de que não havia absolutamente nada de errado e nenhum indício de nódulos desceu despercebida, aninhando-se no fundo do meu estômago. Fiquei confusa, não entendi quase nada, mas saí da sala da biópsia meio boba, meio besta, finalmente feliz por não ter câncer.

Ali eu consegui respirar um pouquinho.

No dia da minha banca - já sem qualquer sombra de câncer -, contei com meus amigos Fernanda Danquimaia e João Ribas pra me levar até à Universidade. Foi divertido e, apesar de toda ansiedade se avolumando na boca do estômago, eu consegui cumprir a tarefa que eu mesma me propus: apresentei meus achados, defendi a minha pesquisa e as minhas ideias, tudo isso em meio a vários amigos e familiares que, gentilmente, cederam um pouquinho do seu tempo pra me prestigiar. Eu não sabia o resultado, nem tinha como saber; mas eu já sentia que a minha missão estava cumprida. Eu me propus e eu fiz. Já estava orgulhosa de mim independentemente da nota.

A aprovação veio e foi maravilhoso. É engraçado como a gente se prepara tanto pro fracasso que, quando ocorrem vitórias, a gente fica: "???", sem entender nada. Parece que as derrotas são sempre tão esperadas que esquecemos de nos preparar para os sucessos. E são muitos.


"Se vocês não atacassem minha dissertação, eu não precisaria defendê-la"

Tenho muito orgulho da minha caminhada e de mim mesma. Tenho orgulho de nascer onde nasci, de ter estudado onde estudei, de pertencer à família que pertenço. Meus pais são minha base, meu fundamento primordial; eles são a família quu me escolheu. E, hoje, não caibo em mim de tanto orgulho das famílias que eu escolhi: a família de amigos, a família de colegas de trabalho, a família de acadêmicos, a família dos estudos, enfim. As afiliações que tenho não são por acaso e eu farei de tudo para lembrar-lhes disso todos os dias.

É curioso como, apesar de eu ter escolhido e amar o que eu estudo, ainda assim as provações são gigantescas. Mas se tem uma coisa que eu aprendi nesses dois anos de mestrado, é que eu não estou sozinha. Nunca. De verdade: eu nunca estou sozinha. Os amigos que fiz e as alianças que forjei sempre me acompanharão. O meu espírito é nutrido por essas lembranças, por essas concretizações, por breves certezas e a segurança de que as dúvidas são necessárias; antes, são obrigatórias. Ter dúvida é o estado natural das coisas e, se um dia alguém vier a saber de tudo, dificilmente haverá graça na vida. Não que a ignorância seja o objetivo, mas é um estado contemplativo que dura o tempo necessário até se desfazer pela clareza. E aí reside a beleza do viver: tornar-se, transmutar-se, evoluir-se, habitar nas fronteiras (ó eu trazendo trechos da minha dissertação pra cá).

Enfim, depois desse nada breve desabafo, tudo o que posso fazer é agradecer às pessoas envolvidas nessa caminhada: minha família, meus amigos, meus professores e, em especial, meu orientador, Prof Moysés Pinto Neto, meus colegas de trabalho e do mestrado, meus terapêutas, meus padrinhos e meus guias espirituais. Sem essas almas caridosas e compreensivas, que me incentivaram a continuar e me acolheram nos momentos bons e ruins, tornando meus dias mais claros e as noites densas mais suportáveis, nada disso seria possível.

E, por fim, gostaria de agradecer a mim mesma, por permitir que isso tudo fosse possível; aprendendo a ser flexível pra não quebrar na ventania e ser firme quando tudo é incerto.

... "Eu não achava que conseguiria", mas a verdade é que eu consegui PRA CARALHO e não vejo a hora de voltar pro Doutorado!

Gratidão!




PS.: Quando criança, lembro de um texto muito bacana então atribuído à Shakespeare que, até hoje, não sei qual a autoria, mas é uma mensagem que vez ou outra retorna à lembrança e nos últimos anos eu tenho pensado muito sobre:

"Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte.

Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás, portanto, plante seu jardim e decore sua alma ao invés de esperar que alguém lhe traga flores, e você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.

Descobre que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida! Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar."

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

not afraid, not anymore

 minha cabeça tá a milhão e o meu coração, em frangalhos.


dia 14/11/2020 comunguei pela primeira vez. participei da cerimônia sagrada da ayahuasca e eu não posso descrever em palavras as coisas que vi, vivi e senti.


me sinto fortalecida, aberta, em sintonia, sabe-se lá com o que - mas é assim que eu me sinto.


hoje percebo como as decisões tomadas "de mim pra mim" são as decisões mais importantes e difíceis que eu poderia tomar e eu me sinto grata por estar, apesar de tudo, firme e forte nos meus propósitos.


dia 03/12/2020 será a minha prova para o mestrado acadêmico em educação. eu sinceramente não sei o que vai acontecer ou como vai ser. não sei se vai dar certo. mas o que é dar certo, não é mesmo? me sinto tranquila com essa decisão de tentar o mestrado. hoje me sinto madura e preparada pra isso. mesmo que não dê dessa vez, eventualmente vai dar certo. e se der certo, WOW! estarei alguns passinhos mais próxima do meu grande sonho de dar aula.


a jornada importa mais que o destino, afinal.


meu ser está completo de amor e afeto. me sinto amada pelos meus amores e isso me fortalece. meu amor, meu afeto, independe das pessoas. eu sou amor, eu sou luz, e também sou trevas e escuridão. tudo isso faz parte de mim e me enche de orgulho, porque é com esse amor, esse afeto, essas luz trevas e escuridão que eu cheguei onde cheguei. que fiz o melhor que pude com o que fizeram de mim. eu não sou o meu passado, eu não sou uma nota, eu não sou um conceito. eu sou um ser humano multifacetado, amável, amado, incompleto, errante e sempre em busca de melhorias. pra melhorar a vida própria e a vida alheia.


eu sou luz e eu sou escuridão.


e eu não tenho mais medo.


não mais.

sábado, 11 de julho de 2020

whose side are we on?

A depressão e a ansiedade costumam brigar pela atenção completa do meu cérebro há muitos anos. Não sei quem clama com e sem razão pelo trono, mas a batalha é dolorida porque se passa dentro de mim.

A ansiedade me deixa germofóbica, ou qualquer que seja o termo que te dá fobia de germes. Tudo é sujo. Eu encosto em tudo. Portanto, eu também sou suja. Cheia de poeira e sujeira: pele morta, ácaros, bactérias. E eu faço parte disso: sou uma coisa nojenta ambulante e faço parte de um todo sujo, porque eu também sou suja.

A depressão, por outro lado, me deixa hermética. Eu olho as coisas, eu as admiro, então tento tocar. Mas eu nunca encosto. É um esforço tremendo para tocar algo belo e quando toco, nada acontece. A minha composição impede o contato com qualquer superfície. Eu sou repelente. Eu expulso as coisas para longe de mim.

Multiplicados sejam os dias em que eu não estou tão anormal.

segunda-feira, 6 de julho de 2020

depressão

é como se a sua sombra pudesse me engolir
me arrastar
me arrasar
levar pra fora
me abolir

é um feitiço
que eu desconheço
um vento forte
gélido
e morno
leve, pois ninguém vê
pesado, pois eu carrego
triste e indolente
secando a minha nascente

às vezes, anestesia
mais vezes, covardia
sem sal e amargo
me destrói sem embargo

engole meu eu
furta a minha cor
despedaça o meu coração
transforma tudo em breu
retira o meu valor
e embota a emoção

quem dera a vida fosse eletiva
já que a vida depressiva
é uma mazela
sem tinta e sem cor sobre a tela


terça-feira, 26 de novembro de 2019

Uma adolescência tardia?


Não é de hoje que eu digo e nem é de hoje que eu tenho certeza de que minha vida é fora de época, fora do timing. Parece que eu tô sempre fora do meu tempo e essa talvez seja a única coisa constante pra mim.

Em todo caso, eu descobri a maconha aos 27 anos. Já tinha experimentado antes, mas a experiência tinha sido nula, sem graça. Hoje é praticamente uma realidade no meu ser humano.

Também comecei a beber tarde. Eu tinha mais de 21 anos quando comecei a, de fato, apreciar a bebida. O primeiro porre talvez tenha vindo ali pelos 22, sinceramente não recordo com exatidão.

Não vejo nada disso como errado. Na realidade, eu acho isso até positivo, porque apenas experimentei as coisas que quis no momento em que me senti realmente preparada pra isso.

Assim como fazer sexo. Minha primeira relação sexual aconteceu somente aos 18 anos, já era maior de idade e sabia exatamente o que eu queria. Apesar de já ter tido um relacionamento desde os 13/14 anos, só transei quando me senti confortável. E foi legal.

Do alto dos meus atuais 27 anos eu me sinto meio extraterrestre se a ideia for me comparar às idades em que outras pessoas fazem essas coisas que citei.

Só aos 27 anos que decidi assistir aos filmes das sagas Crepúsculo e Jogos Vorazes, mais uma vez extemporânea ao que praticamente todas as pessoas que conheço são. Não me arrependo.

Quando lançaram Crepúsculo e aquele show de horrores e ódio virulento que se seguiu, eu achei patético. Não entendia nada e achava horrível. Quanta soberba a minha! Quem era eu pra criticar algo que estava no coração de tantas meninas?

Respondo: ninguém. Absolutamente ninguém.

Hoje percebo que meu amadurecimento pra ver algo como Crepúsculo só veio agora, com 27 anos. Antes eu estava mais próxima desses nerds punheteiros e chatos que reclamam de diversidade racial, sexual e social nos filmes de heróis, que não entendem que toda obra é política, até mesmo quando o assunto não aborda política, a obra está sim assumindo uma posição política - já que não grita com os sofridos, está tomando o partido daqueles que oprimem.

E Jogos Vorazes? Como eu poderia começar a falar sobre essa verdadeira masterpiece? É, sinceramente, uma das melhores coisas que eu já tive o prazer de assistir e ler. É político, é rebelde, é feminista, é anticapitalista, é revolucionário. A Katniss é um ícone - ela é forte, ela é guerreira, ela não se entrega e ela tem plena consciência de que esperam dela uma feminilidade e submissão que ela não está nem um pouquinho disposta a entregar. Ela sabe disso e ela continua. Ela até joga o jogo deles, mas ela faz isso por sobrevivência e porque há algo maior do que ela a ser protegido.

Enfim. O que esse devaneio quer dizer? Quero só dizer que não há atrasos e não há tempo perdido, desde que estejamos vivos. Se estamos vivos, ainda há tempo para fazer as coisas, viver um pouco e curtir. E tá tudo bem.

terça-feira, 19 de novembro de 2019

O dia de hoje ficará eternamente marcado como o dia em que eu recebi a ligação da OAB Cachoeirinha sobre a solenidade de entrega da minha carteira da OAB. E que fique registrado que eu estava completamente chapada, no momento da ligação. Fuck yeah. 

terça-feira, 22 de outubro de 2019

O fim de uma era?

Ia fazer dois anos de um hiatus não planejado aqui. Por alguma razão, eu lembrei da existência desse blog e decidi postar qualquer coisa. Outro dia me peguei com uma crise existencial estruturada em formato de post e ia escrever aqui, mas acabei ficando apenas em choque, sendo a crise inútil para fins de escrever no blog.

Dois anos atrás eu estava dolorida e triste e queria sumir. Hoje, pouco mudou. Terminei minha pós-graduação, agora só falta apresentar o maldito TCC e serei especialista em Ciências Criminais. Finalmente consegui passar na prova da OAB, isso estava me consumindo havia séculos. Agora é esperar toda a burocracia pra pegar a carteira e finalmente poder procurar emprego.

Em casa, sem trabalhar, há mais de um ano, sinto que estou definhando. Os estudos para o exame da ordem levaram de mim o pouco de saúde mental que ainda restava. Eu sinto que meu corpo está derretendo, escorrendo, caindo, desmoronando. Minha mente não é um local, minha mente não é nada - é só bagunça e dor. A dor é tanta que eu não consigo entender se dói a pele ou se dói a cabeça, ou se dói todo o meu corpo, ou, talvez, eu esteja equivocada e tudo o que acontece comigo é dolorido e não tem cura. Não sei, acho que nunca saberei.

Nos últimos dias a depressão tem piorado e tudo o que penso é em sumir, desaparecer. Eu organizo meus contatos e catalogo minhas mensagens, com a esperança de que quem encontrar minhas redes sociais não se chateie muito, quando eu morrer. Eu arrumo minhas coisas como se eu fosse embora, mas não embora daqui, e sim, embora de mim. Eu organizo tudo pra não deixar trabalho pra ninguém. Tudo o que sinto é que sou um peso. Tudo o que eu queria era sumir. Só me falta coragem pra fazer a coisa certa e apagar a minha existência da face da Terra. Quando foi que me tornei tão covarde?

Eu não sirvo nem pra me matar.






Obs.: o título "o fim de uma era?" corresponde à minha insatisfação pessoal de perceber que me tornei o que eu mais temia - uma depressiva disfuncional. Antes, eu conseguia ter depressão e fazer as coisas. Agora, eu me sinto tão danificada que não consigo sequer levantar da cama. Eu não sirvo pra mais nada.